A Matemática da Representação: como alguns estados dominam gabinetes ministeriais no Brasil
Presidentes não escolhem ministros somente por suas filiações partidárias, mas também conforme as alianças estaduais estratégicas que pensam formar.
Dilma e Temer entre ministros empossados em outubro de 2015. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
Partidos e estados: duas faces da coalizão
Nos últimos 30 anos, cientistas políticos e políticas têm discutido sobre como presidentes brasileiros montam suas coalizões para governar um país grande, complexo e multipartidário. O foco desses debates sempre foi o papel dos partidos políticos na formação dos gabinetes ministeriais. No entanto, uma dimensão crucial passou despercebida: o papel das forças políticas estaduais dentro dessas coalizões.
Uma nova forma de analisar coalizões
Nosso estudo, recententemente publicado da Dados, Paulo Franz, eu e a economista Virginia Fernández tratamos justamente desse aspecto.
A referência é a seguinte: Franz, P., Codato, A., & Fernández, V.. (2025). Federalismo e Coalizão: A Representatividade dos Estados nos Gabinetes Ministeriais Brasileiros. Dados, 68(2), e20230017. https://doi.org/10.1590/dados.2025.68.2.362
Analisamos a composição dos ministérios entre 1995 e 2016, abrangendo os governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), Lula I e II e Dilma Rousseff I e II. Ao investigar a origem política de 265 ministros, nosso estudo revela que os presidentes não escolhem ministros somente por suas filiações partidárias, mas também conforme as alianças estaduais estratégicas que pensam formar.
Uma fórmula para medir o desequilíbrio
Fernando Henrique Cardoso exemplificou essa preocupação regional quando declarou, pouco antes de assumir a presidência em 1994: "olha Luís [Luís Eduado Magalhães, do PFL-BA], eu preciso dar um ministério à Bahia, porque senão o ministério fica regionalmente desequilibrado" (Cardoso, 2015:36).
E: "Expliquei [a Pimenta da Veiga, presidente do PSDB] quais eram as participações [na equipe de governo] que eu estava imaginando para o PSDB. Ele sabia que a maior parte dos ministros seria desse partido. Mencionei a questão mineira, com a preocupação de dar um espaço adequado a Minas Gerais" (Cardoso, 2015:32).
E ainda: "Dorothea [Werneck] poderia evidentemente ir para outro ministério, mas eu senti que tinha que dar um ministério de mais peso a Minas [Gerais]. Depois que anunciamos que o [José] Serra seria o ministro do Planejamento, não poderia dar a mais um paulista uma pasta importante como no meu espírito será a de Indústria e Comércio" (Cardoso, 2015:38).
Para entender essas decisões, nós propusemos um método quantitativo novo: a "Taxa de Coalescência Federativa". Ela adapta e modifica a Taxa de Coalescência do Gabinete, de Octávio Amorim.
Essa taxa mede até que ponto a escolha dos ministros respeita a proporcionalidade das bancadas estaduais dentro dos partidos aliados, comparando-a com o peso real dessas bancadas no Congresso Nacional. A fórmula é expressa matematicamente por:
C = 1 - 1/2 Σⱼ₌₁ᵏ αⱼ
Onde:
C é a Taxa de Coalescência Federativa
αⱼ é a participação de cada estado j na taxa
k é o número de estados
A participação de cada estado (αⱼ) é calculada por:
αⱼ = Σᵢ₌₁ⁿ |Sᵢⱼ-Mᵢⱼ|
Onde:
i representa os partidos
j representa os estados
Sᵢⱼ é a porcentagem de cadeiras do partido i, ganhas pelo estado j
Mᵢⱼ é a porcentagem de ministérios do partido i, ocupados pelo estado j
Presidente Lula e o ministro da Fazenda Antônio Palocci em 2005 (Foto: Ana Nascimento/Arquivo EFE)
Quem ganha e quem perde: resultados da análise
Aplicando esta fórmula, nosso estudo revelou distorções significativas na representatividade ministerial:
São Paulo: O estado ocupou 29,8% dos ministérios, embora represente apenas 13,6% das cadeiras na Câmara. Essa concentração ficou conhecida na imprensa como "paulistério".
Rio Grande do Sul: Apresentou uma alta taxa de representatividade ministerial (0,934), indicando forte sobrerrepresentação nos governos do PT.
Minas Gerais: Mantendo uma presença constante, sempre ficou abaixo do que sua representação no Congresso demandaria.
Região Sudeste: Como região, dominou os gabinetes com cerca de 50% das nomeações ministeriais, muito acima de seu peso proporcional de 35% na Câmara.
Estratégias presidenciais e a dimensão estadual
Cada governo mostrou uma abordagem distinta:
Fernando Henrique Cardoso: Concentrou ministérios estratégicos em aliados paulistas do seu partido, o PSDB, enquanto delegava outros ministérios a políticos nordestinos de partidos aliados, especialmente o PFL e o PMDB.
Governos Lula e Dilma: Demonstraram maior equilíbrio na representação estadual inicialmente, indicando atenção às alianças regionais, apesar de manter alta a representação paulista.
Pedro Malan (Fazenda), José Serra (Planejamento) e Pedro Parente (Casa Civil) (Foto: Bruno Santos/Folhapress, Edilson Rodrigues/Agência Senado e Alan Marques/Folhapress)
Impactos concretos da representação desproporcional
A sobrerrepresentação de certos estados gera consequências práticas e políticas claras:
Maior direcionamento de recursos federais aos estados mais representados;
Influência direta na formulação de políticas públicas nacionais;
Fortalecimento político-eleitoral dos partidos nesses estados nas eleições subsequentes.
Um exemplo claro é o Nordeste nos governos petistas, onde o acesso a ministérios permitiu uma renovação profunda nas elites políticas regionais. Esse pode ter sido um dos caminhos para o crescimento do partido na região.
Implicações para o presidencialismo brasileiro
Esses achados revelam que o presidencialismo brasileiro é mais complexo do que se supunha. Presidentes brasileiros formam coalizões não apenas horizontais (partidárias), mas também verticais (com lideranças estaduais), buscando algum equilíbrio político e geográfico.
O que a matemática revela sobre o poder
Mais do que apenas números, a "Taxa de Coalescência Federativa" expõe como certos estados dominam os ministérios, moldando políticas nacionais e direcionando recursos. A análise quantitativa demonstra que, no xadrez político brasileiro, a geografia do poder é importante. Quem controla os ministérios dita não apenas o ritmo do governo, mas define quais regiões do país são protagonistas e quais permanecem à margem.
Bib
Cardoso, Fernando H. (2015), Diários da Presidência (Vol. 1). São Paulo: Companhia das Letras.